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terça-feira, 31 de julho de 2012

Entrevista - Karine de Oliveira


"Gostamos daquilo que dominamos e entendemos. Ninguém vai a uma galeria ver os quadros de Picasso sem entender um pouquinho ou procurar aprender algo a respeito. O conhecimento gera esta mudança no gosto. Todo mundo deveria ter acesso à oportunidade de ouvir boa música, assim como as pessoas estudam português e escolhem um bom livro."


Foto: Emerson Mordente
Karine de Oliveira, de 35 anos, é musicista e violinista. Nascida em Sete Lagoas, foi para Contagem aos três anos. Há cinco, ela e o marido, o maestro e trompetista Joanir Oliveira, se mudaram para Sarzedo, a convite do prefeito da cidade para gerir a orquestra municipal que, na época, estava nascendo. Atualmente, Karine é Diretora Musical da Orquestra de Cordas de Sarzedo. Graduada em Música – com ênfase em Educação Musical, pela Universidade Federal de Minas Gerais desde 2009, ela começou a estudar ainda aos seis anos de idade. Mãe de Karoline (17) e Gabriel (07), Karine se multiplica para exercer todas as atividades. Além da Orquestra de Sarzedo, é violinista e chefe de naipe da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Atuante no mercado de música em eventos desde 1993, fundou, há meses, a Musicalità, empresa especializada neste tipo de serviço, onde Karine é o primeiro violino do Quarteto de cordas. Ela também está na equipe da Fábrica de Artes, como Coordenadora das Cordas e Orquestra, um projeto da Igreja Batista da Lagoinha e do Ministério Diante do Trono, que começa neste mês de agosto.

Ainda na adolescência, Karine ingressou no Conservatório de Música da UFMG para estudar teoria musical e seguir carreira como pianista, mas um acidente a fez mudar de instrumento. “Comecei a estudar violino em um mês de julho e fiz a prova do conservatório no final do mesmo ano e passei. Hoje o piano é um hobby...”, explica. Além do projeto da prefeitura de Sarzedo, ela tem alunos particulares e faz preparação para provas e concursos de jovens profissionais, como músicos que queiram prestar concurso para orquestras sinfônicas. É professora desde os 12 anos.

Mesmo com um currículo vasto, Karine continua estudando. Perfeccionista, toca também um pouco de viola e fez algumas aulas de violoncelo para ter respaldo para trabalhar com orquestra.
Entre tantos deveres, Karine conversou comigo sobre vários assuntos relacionados à música clássica, música nas igrejas cristãs e falou sobre a carreira.

A seguir, a entrevista dividida em tópicos.


Foto: Emerson Mordente
Você estuda música desde os seis anos de idade. Porque você se interessou tão cedo?
Meu pai sempre foi regente de coro e tocava clarineta na banda da igreja. Ele sempre gostou muito de música, tinha coleções de vinil. Eu ouvia música clássica desde o ventre. Quando tinha seis anos, eu e minha irmã mais velha começamos a estudar música. Eu gostava bastante e minha família viu que havia talento e uma disponibilidade para o aprendizado. Minha ideia, aos 13, era entrar para o conservatório de piano. Na época, ele existia na Avenida Afonso Pena (BH), com o curso de cinco anos, e depois íamos para a faculdade. Só que no meio do ‘caminho’, aos 15 anos, eu sofri um acidente e quebrei a perna. Fiquei dois meses e meio com a perna imobilizada e não conseguia estudar o piano. Não tinha como mexer nos pedais, a posição era incomoda, doía... Então vi a possibilidade de estudar violino, mas, naquela época, era muito caro. Comprar um violino era uma coisa absurda. O preço era em dólar, só tinha importado ou artesanal. E eu já fazia o primeiro ano de conservatório, que era mais teórico. Estava me preparando para fazer a prova de piano. E foi nesta época do acidente que conheci o professor de violino de lá, e meu pai conseguiu um emprestado da UFMG, que eram disponibilizados para alguns alunos. Comecei a estudar violino no mês de julho e fiz a prova no final do ano e passei. Abandonei o piano profissionalmente e hoje ele é um hobby.

Porque escolheu a ênfase em Educação Musical?
Comecei fazendo Bacharel em violino e fiz a mudança de ênfase. Gosto muito da área de educação musical, da educação como um todo, como a psicologia, psicologia da educação, neurociência da música... Achei que seria mais interessante e iria agregar mais conhecimento, pois já estudo música há muito tempo. E junto com isso, na época, eu desenvolvia um trabalho muito significativo com crianças hiperativas (portadoras de TDAH = Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Eu usava a educação musical como auxílio ao tratamento.  Eu precisava estudar mais sobre as possibilidades da educação musical e aliar ao tratamento do TDAH.

Além das aulas atuais, já pensou em lecionar em alguma universidade?
Sim, mas as coisas foram tomando outros rumos. A carreira é bem complexa. Eu gosto muito de dar aulas, mas fica muito difícil você levar uma carreira de performance conciliada com a carreira acadêmica. Isto pode causar um ônus muito grande para a vida pessoal. E estar fora da academia não me impede de formar alunos.  Junto as duas coisas. Trabalho muito na área de performance com a orquestra, o quarteto de cordas e outros grupos e tenho a oportunidade de lecionar também.

Você incentiva seus filhos a se envolverem com Música?
Sim, por vários motivos. Não só pela profissão, mas pelo ganho em todas as áreas da vida. Quem estuda música tem mais possibilidades de vislumbrar outros rumos, de aprender melhor qualquer coisa. Você melhora muito a questão cognitiva, a experiência artística, a experiência estética com o mundo. As possibilidades são muito maiores e o leque mais abrangente. Hoje, vejo que, mesmo se não tivesse seguido carreira na música, meu olhar para o mundo seria melhor pelo fato de ter tido acesso a ela. A Karol estuda flauta e já toca na Banda Municipal Sarzedense, na Orquestra de Sarzedo e em grupos de louvor na igreja. O Gabriel está indo... (rs). Faz aulas de violino, trompete e adora uma percussão. Mesmo que eles não sigam carreira, eu incentivo pelo ganho para a vida que é muito grande. Se eu posso dar esta oportunidade para eles, não vou abrir mão.

Orquestra Municipal de Sarzedo

Qual é o objetivo da Orquestra?
O objetivo, além de difundir a música instrumental na cidade, é ampliar o acesso à cultura, porque a maioria da população nem sabia que existia orquestra e que era possível que pessoas daqui estudassem um instrumento. A prefeitura dá todo o aparato. Os alunos ficam com o instrumento por um empréstimo de comodato sem custo nenhum. Eles têm todas as aulas gratuitas, com vários professores de alto nível, todos formados. Além de difundir a cultura e de formar novos músicos também, dá uma nova possibilidade de profissão a eles. Muitos nem vislumbravam esta possibilidade e hoje estão decididos: querem ser músicos profissionais. Temos alguns alunos da rede privada, mas é o foco é a rede pública de ensino. O trabalho já está consolidado. Temos músicos inseridos no mercado de trabalho. Este ano, por exemplo, vimos três frutos do projeto que entraram para a universidade para fazer Música e muitos da área de cordas, mais recentes, já estão trabalhando no mercado de eventos.

Karine regendo a Orquestra de Sarzedo
orquestradesarzedo.blogspot.com
Como é sua rotina de trabalho? Como você organiza o tempo entre a orquestra sinfônica, as atividades em Sarzedo, alunos e a sua empresa?
Realmente é muita coisa. Muita gente que me conhece admira e pergunta “como você consegue?” Atualmente, eu ainda estou fazendo uma orientação com um professor em Porto Alegre e tenho que, de vez em quando, achar um tempinho para ir lá. Os ensaios da orquestra sinfônica são diários, pela manhã. Venho para BH, chego entre 6h30 e 7h, estudo até às 08h20, o ensaio vai de 8h30 até 11h30. Volto para Sarzedo e durante a tarde desenvolvo o trabalho com a orquestra de lá. Duas vezes por semana tem ensaio. Nos outros dois dias, cuido da área administrativa. Coordeno quatro professores (de cordas). Um dia, tarde/noite, é reservado para a Fábrica de Artes que começa em agosto. Quando eu vou para casa, entra a terceira jornada. Atendo os clientes da Musicalità tarde-noite ou sábado e cuido do site, fornecedores, escrevo arranjos, cuido da família etc (rs).

Mercado de eventos e a Musicalità

Porque você abriu uma empresa somente agora e não antes?
Estou no mercado de eventos há 19 anos. Não abri uma empresa antes acho que por conveniência. Tudo caminhava bem e algumas coisas ainda precisavam de um pouco mais de maturação. Trabalhei com vários grupos, vi muita coisa, aprendi muito e tinha este desejo há cerca de dois anos. Sempre atendi pessoas de forma particular, como amigos, amigo de amigos ou alguém que insistia para eu montar uma equipe e tocar... Mas eu estava muito insatisfeita com a maneira que o trabalho no mercado de eventos de música em Belo Horizonte vinha se desenvolvendo. É uma forma muito improvisada, amadora. Às vezes, os músicos são bons, mas a organização não é boa. Isso me incomodava. Eu queria levar excelência da música de concerto para o mercado. Se a pessoa está pagando por um serviço, ela tem que receber o máximo de qualidade. E como eu queria fazer algo realmente bom e ter um diferencial tanto pela qualidade quanto pela organização, isso foi se maturando. Além dos 19 anos tocando, passei os últimos dois anos pensando em como fazer. Desde o ano passado, estou fazendo uma consultoria na Fiber Consulting, que está me ajudando muito a ter um olhar empresarial. Eu já tinha esse pensamento, mas a Fiber abriu meus horizontes. Daí, fiz minha proposta deste nível de qualidade para alguns colegas que eu acreditava que tinham o perfil, e as coisas vemdando certo. A empresa começou há pouco tempo, em outubro de 2011 e já fizemos alguns eventos e o feedback tem sido maravilhoso. Todos os clientes sempre elogiam muito, principalmente pela qualidade, que é a nossa principal meta.

Você tem equipe fixa ou contrata de acordo com a demanda?
Trabalhamos em várias frentes. Eu tenho uma equipe de casamento, um quarteto de cordas, um trio instrumental e um acústico para fazer recepção, uma banda pop. Tudo leva o nome da Musicalità... Musicalità Pop, Musicalità acústico, Musicalità instrumental, Quarteto Musicalità, que também faz concertos de música de câmara... Tenho estas equipes fixas e tenho de dois a três substitutos para cada tipo de instrumento e formação, para ter a possibilidade atender mais de um evento. E sempre preparamos para cada evento, justamente para levar a excelência. Mesmo que a música seja fácil ou já tenhamos a tocado dez vezes, sempre fazemos uma preparação específica. A primeira coisa que deixei claro para a minha equipe foi que o nosso trabalho não seria um “bico”. Porque, tantas vezes, vamos tocar em concertos, até sem cobrar, ensaiamos três, quatro ou cinco vezes para o negócio ficar perfeito e não ganhamos nada, apenas o prazer de tocar? Quando você recebe por isso, para o cliente aquele dia da vida dele é único, seja casamento, festa, colação, almoço...Por que não levar esta mesma qualidade, este mesmo empenho?

O público das igrejas evangélicas, às vezes, é mais complicado ou difícil de lidar, quando o assunto é contratação de serviços para música de eventos?
Um pouco. Acho que mais desconhecimento do que “não querer pagar’. É uma falta de compreensão da profissão. Muita gente ainda não encara a profissão de músico como uma profissão séria, de que a gente estuda muito, trabalha mais ainda. Muita gente acha que é só diversão, e não é. Um músico para se profissionalizar precisa de, no mínimo, cinco a seis anos de estudo. E depois ainda estuda o resto da vida, não pode parar. Acho que é mais um desconhecimento. Em igreja é comum o uso de banda de louvor, principalmente na igreja batista. Eles não entendem que existe um custo. Por exemplo, eu contrato um violinista que estudou vários anos, fez uma faculdade, tem um instrumento com uma manutenção cara. Acho que isto às vezes acontece por causa deste acesso a música mais pronta e pela falta de conhecimento.

Sobre música cristã

Como musicista, como você enxerga a questão da separação entre música religiosa e música secular? Já falaram alguma coisa com você porque te viram tocando música secular?
Eu não faço distinção. Música é música. O que não pode ter a blasfêmia a Deus, o primeiro critério de exclusão. Mas acredito que música é música, é universal em certo sentido, e foi criada por Deus. O Diabo é que se apropriou disso e fez um mau uso. Música é um dom, é de Deus, independente da pessoa ser um servo do Senhor ou não. Esta capacidade de imaginar a música na cabeça e transferir isso para o exterior, seja como escrita ou executando, vem de Deus. É preciso ter bom senso. Claro que não vou ficar tocando música que tem uma letra pornográfica, que fala contra a minha fé ou ao meu Deus, mas acho que o som em si, ele não é profano ou sagrado, porque as notas são as mesmas. O que vale é a intenção. A música para adoração a Deus é para nos aproximar de Deus. Neste aspecto, acho que talvez alguns ritmos não se encaixem. Por exemplo, sertanejo universitário, um forró. Sinceramente, não sei se isso vai aproximar a gente de Deus, apesar de poder expressar algo sobre Deus, Sua palavra, e até levar o homem a Deus, com evangelização através da música. Não estou dizendo que não vá, mas acho difícil. A música mexe muito com sentimentos, altera todo o estado metabólico, as substâncias produzidas no cérebro... Isto tudo é comprovado. Então se você toca uma música na igreja que produz adrenalina, isso vai alterar até o estado de consciência da pessoa. O tipo de ritmo, de harmonia, até a construção melódica, tudo irá influenciar como a pessoa recebe, como a pessoa percebe e o que isso causa no organismo. Não é que não possa ter um sertanejo evangélico, pode. Mas será que realmente isto é para adoração ou será para “falar que nós temos também”? Por exemplo, estamos na época da moda de sertanejo universitário na igreja. Será que alguém teve essa brilhante ideia ou o motivo é porque lá fora está cheio de Jorge e Mateus, Luan Santana...

Seria então comercial?
Como está hoje, eu não tenho dúvidas! Infelizmente é o que ocorre em muitos casos. Mas só para não parecer que acho que a adoração tem que ser sempre com música lenta, não é que não possa ter outros ritmos. Acho que é um processo. Como vemos no ministério do Rei Davi, por exemplo, tinha a hora de adorar com danças e tinha a hora de adorar sem danças. Tem que haver uma separação de contextos. O que é realmente para adoração e o que está sendo usado para outros fins? O que pode ser positivo é que ritmo diferente pode ser usado com um papel evangelístico?

Você acha que muita gente ouve um sertanejo universitário evangélico muito mais para não sentir culpa por estar ouvindo um sertanejo secular?
Talvez, isto mascara um pouco, tem um pouco de hipocrisia. Quando falo que ouço música secular, muitas pessoas horrorizam. Mas eu confirmo: ouço mesmo. Por exemplo, eu gosto muito de John Mayer. É secular, mas é de excelente qualidade. Gosto de ouvir por causa das construções. Para nós, músicos, é muito difícil ouvir música dentro da igreja, porque o nosso olhar não é apenas de um adorador. Querendo ou não, quando você ouvir, seu cérebro vai fazer referência ao que você sabe, ao conhecimento da área. É até difícil suportarmos certos louvores na igreja. E falo isso com tristeza.

Mas em que sentido? Por ser ruim, forçado, hipócrita?
Por ser ruim demais, musicalmente falando. Pela compreensão musical das pessoas, no geral, ser muito baixa, o senso crítico delas neste sentido é péssimo. É muito mais fácil para a congregação criticar um pastor do que criticar um cantor, por exemplo. O nível de compreensão da Palavra é maior. Normalmente, as pessoas leem, algumas frequentam a escola dominical e, no geral, dão mais atenção à palavra do que ao louvor. Isto vai credenciando as pessoas a serem um pouco mais críticas, o que é algo relativamente fácil. Se o pastor fala uma besteira, você confere na Bíblia que está errado. E na música não acontece isso. Se a pessoa não tem o conhecimento, ela será ludibriada facilmente. Várias vezes, pessoas da igreja chegam perto de mim e, enganosamente, comentam “Nossa, você viu Fulano, canta demais”... Eu fico só olhando e nem respondo...

Karine se apresenta com o Musicalità
Foto: Emerson Mordente
Mas onde está o problema? É a falta de conhecimento das pessoas? Os músicos da igreja que não fazem questão? Os líderes da igreja que não investem nisso? Ou é uma coisa cultural que já vem de muitos anos?
Acho que o problema é do ministro que vai para o altar e da liderança da igreja. Porque a liderança não aceita um pastor qualquer, mas aceita um músico qualquer. O publico, no geral, não tem culpa, a congregação não é obrigada a saber música. Mas o músico tem o papel, até mesmo o dever, de auxiliar na melhora desta compreensão musical. Se você dá sempre música boa, de qualidade, bem feita e bem construída, vai chegar um momento que a igreja não vai mais aceitar qualquer coisa, porque ela estará acostumada a ouvir coisa boa. Ela vai começar a diferenciar. A liderança deveria exigir isto. Não é necessário que todos os músicos sejam profissionais formados na academia, isto não é essencial para alguém tocar bem. Mas é preciso ter o mínimo de conhecimento. Assim como eles exigem um curso de teologia, mesmo que não seja um bacharel, como o Koinonia e outros, acho que deveria se exigir do ministério de música também. E não é difícil de fazer. O que me deixa mais triste é isso. Um curso bem estruturado de seis meses, para pessoas que já tocam alguma coisa ou cantam, junto com um discipulado, por exemplo, daria condição à pessoa de conhecer sobre harmonia e harmonia funcional. Falta postura por parte da liderança para se promover uma mudança e não aceitar pessoas não qualificadas. Muita gente é cópia do que ouve. Infelizmente, os pastores gostam muito de dar ênfase à parte somente espiritual, mas esquecem que o salmo 33 (verso 3) fala para tocar bem primeiro, e depois com júbilo. A primeira instrução é que você seja tecnicamente capacitado. Inclusive, na época de Davi, todos os levitas eram mestres instruídos no canto. Mesmo que nos parâmetros da época, existia uma escolha, uma instrução. Não era igual acontece hoje. A pessoa faz três meses de discipulado, quando faz, e acha que está apta. E a igreja engole isso e a liderança aceita. Por isso, a música da igreja está muito atrás da música que chamamos de secular. Não é porque uma é melhor que a outra, mas é porque eles preocupam com isso. Li recentemente uma reportagem sobre essas bandas teens, como Restart, NX Zero etc. Os meninos estão estudando Música, alguns em faculdades. Há 20 anos, muitas bandas de rock começavam de maneira diferente.O cara pegava a guitarra, aprendia a tocar sozinho, juntava com três amigos na garagem e montava uma banda. Hoje não... Porque existe uma maior preocupação lá fora? Não quero que todo mundo só ouça música clássica, mas gostaria que quem se propuser a fazer música fosse instruído com o mínimo. Vários músicos populares considerados excelentes estudaram. Por exemplo, a Mariah Carey estudou técnica de Belting durante muito tempo. Isso falta na igreja. Quando tentamos fazer, as pessoas se mostram acomodadas. Mas a mudança, seja para melhor ou para pior, gera caos antes da reorganização.

Mas você consegue ver algum ministério ou igreja que é referência de qualidade?
Há alguns sim. Por exemplo, o Ministério Diante do Trono tem uma preocupação com a qualidade, independente se eu gosto ou não da música. Sou amiga do Sérgio Gomes, que foi diretor da orquestra durante muito tempo. Ele me contava a rotina de ensaios dos backs. Era uma coisa absurda, no bom sentido. (rs). Ensaiavam até a perfeição. Ele é músico formado em universidade, e muitos dos que tocavam na orquestra também. Não quer dizer que a música deles seja melhor que a dos outros. E mesmo que a música deles pareça simples, no quesito composição, que é uma coisa do mercado - porque se sofisticar demais, vai atingir outro público, que não é o da igreja - eles fazem com excelência. Conheço também o ministério da Igreja Batista do Renascença (BH). Eles têm uma preocupação muito grande também com a formação de músicos, mesmo sendo uma igreja pequena. Enfim, tem outros que poderíamos citar, mas não muitos quanto eu gostaria. A maioria ainda pensa em música como status. Participar do louvor é motivo para aparecer, ser famoso na igreja. E parece também que muita gente acha que qualquer um pode fazer. Tem gente que quer cantar, mas o talento dela é outro, a pessoa pode ser útil em outras áreas. Na área de música da igreja, tem aquela coisa “vamos deixar porque senão ele vai desviar”. Somos membros de um corpo que é Cristo, e um corpo não é feito apenas de bocas ou ouvidos. Cada um tem a sua função, o seu talento, que cumprirá com excelência se estiver fazendo aquilo que foi chamado para fazer.

Se a ideia é acolher, não seria interessante um projeto como uma escola de música?
Sim, mas é complexo. Tentei fazer isso várias vezes, mas é preciso o aval da liderança e a saída do comodismo dos músicos. E isto é muito difícil mudar.

Você nasceu em berço cristão, se converteu aos 12 anos e tem contato com a música desde muito nova. Na sua visão, existe separação entre artista e ministro? Música é um ministério, uma arte, ou as duas coisas? Sabemos que existem, por exemplo, artistas cristãos que cobram cachê, claro que merecidos, mas fazem simplesmente um trabalho e falam que é um ministério...
Acho que isso na música evangélica é muito confuso, porque a maioria deles não são músicos profissionais, no sentido de ter estudado na academia e de ter esta noção da separação. Por exemplo, eu ministro louvor na igreja. E isso para mim é ministério. Eu já fui convidada para ministrar em outras igrejas e eu não cobro, pois a minha profissão é fora dali. Agora, se a pessoa faz só isso, pode ser perigoso colocar um preço, porque aí as coisas podem se confundir. Quando é um show, aí tudo bem, porque todo mundo está pagando para ir lá te ver, a pessoa foi porque quis, pagou porque quis... É igual a qualquer show. Agora, quando isso vai para dentro da igreja, se a pessoa realmente chama de ministério, ela tinha que encarar como ministério, não poderia haver uma taxação. Acho que tinha que existir uma oferta, como os ministros recebiam, nos tempos bíblicos, inclusive para ministros locais.

Muitas vezes ‘artistas ou ministros’ usam a igreja como um palco e se beneficiam daquilo...
Eu repito, é a falta de conhecimento da profissão. E infelizmente a igreja hoje em dia tem endeusado e idolatrado muita gente. Parece que alguém que já gravou um CD canta ‘diferente’de quem não gravou. E às vezes o que gravou CD nem tem a unção de Deus na vida. Acho isso muito perigoso, mas o risco é mais para quem faz e não para quem recebe, porque a congregação está na igreja para adorar a Deus.

E você acha que existe preconceito musical nas igrejas? Existe uma tendência de se ouvir apenas certos tipos de música?
Isso é em todos os lugares. Outra vez é a falta de conhecimento. Quando você dá o conhecimento, as pessoas gostam de outros estilos. Quando a sinfônica faz concerto no parque, por exemplo, lota. Todo mundo aplaude, todo mundo adora e é de graça. Então, na verdade, é um problema de governo a falta de acesso mais simples e mais fácil, gratuito, à música dita erudita, que já foi popular na época dela. Se você dá o acesso e o conhecimento, as pessoas aprendem a gostar. Gostamos daquilo que dominamos e entendemos. Ninguém vai a uma galeria ver os quadros de Picasso sem entender um pouquinho ou procurar aprender algo a respeito. O conhecimento gera esta mudança no gosto. Todo mundo deveria ter acesso à oportunidade de ouvir boa música, assim como as pessoas estudam português e escolhem um bom livro.

Outros pontos...

O que poderia ser feito pelo governo e até mesmo pela iniciativa privada para isto ser possível?
Começou a melhorar com essa lei da música nas escolas, apesar de não ser o ideal, porque eles vetaram a especialidade. Então continua mais ou menos do mesmo jeito... qualquer pessoa pode dar aula de música... Isto é ruim, porque se você vai passar por uma cirurgia, por exemplo, você quer um médico, e não alguém que faz de conta que é medico. Os músicos capacitados estudaram educação musical, tem todo um preparo. É um começo, mas é preciso um valor maior para esta profissão, para a formação. Pouquíssimas pessoas sabem o tanto que estudamos, o tanto que trabalhamos. Músico não tem férias, ou até tem, mas leva o instrumento...  (rs)

Você considera os músicos mal remunerados?
Sim, pelo custo de preparo, dos instrumentos, do material de reposição, das partituras e métodos, boas gravações etc. Para você chegar a ser um músico profissional, são muitos anos de dedicação e estudo... Trabalhamos para o entretenimento das pessoas e descansamos enquanto as pessoas estão trabalhando. E também pela compra e manutenção dos instrumentos. O acesso no Brasil é péssimo, quase tudo tem que vir de fora. Aqui o mercado é muito abusivo, instrumentos são muito caros. E pagamos impostos de artigo de luxo para importar partituras, um abuso.

O que você gosta de ouvir?
Ixi, muita coisa (rs)! Ouço até música eletrônica. Em casa só não ouço música clássica. Aliás, ouço até menos que outros estilos, no geral. Porque já trabalho muito com este tipo de linguagem, então o cérebro precisa de descanso. Quando ouvimos a música que tocamos, escutamos com um “olhar” muito crítico. Já quero entender as estruturas, enfim... Você relembra a academia, então não é um descanso. Só algumas vezes, claro. Por exemplo, sou fã de Debussy. Ele, para mim, é descanso, adoro ouvir.  No geral, posso dizer que gosto de ouvir música boa! Bem feita, bem construída. Ouço rock, pop, instrumental, bossa, jazz, adoro jazz... sou eclética neste ponto. Depende do momento e para quê estou ouvindo.

Qual compositor te inspira ou te marcou?
Eu amo Bach! Quanto toco Bach, sinto a presença de Deus, é impressionante. Ele era cristão. E como preferência sonora, como a cor do som, eu adoro Debussy. O que ele faz com as cores do som é incrível.

Em novembro de 2011, Sandy e Andrea Bocelli se
apresentaram em BH junto com a Orquestra Sinfônica
Algum evento especial que você tocou te marcou?
São muitos anos para lembrar tudo (rs). Recentemente, tocar com o Andrea Bocelli foi muito bom (com a sinfônica), não pela pessoa, mas foi um evento legal, de grande porte, bom de ter participado. Mas, ao mesmo tempo, tem coisas menores que foram boas. Não é só aquilo que é grandioso que é legal. Uma vez solei um concerto para violino e orquestra e meus alunos fizeram uma faixa me parabenizando, tipo torcida organizada e tudo mais (rs). Foi realmente inesquecível. E um caso como educadora, a alegria de ver uma aluna de 85 anos (que começou a tocar aos 84) tocar sua primeira audição e me agradecer por ter realizado o maior sonho da vida dela – tocar violino. Isto não tem preço!

5 comentários:

  1. uffah' acabei de ler vale muito a pena vou ler isto sempre! imprimi esta entrevista porque quando terminei de ler, eu confirmo que aprendi muito, cresci! Olha eu estou impressionado de como sempre agente tem o que aprender eu sou violinista em formação toco na orquestra que Karine oliveira coordena e hoje eu não sei o q eu li mais me sinto com uma vontade enorme de aprender mais hoje eu descobrir que realmente eu tenho muito que aprender e ela Karine de Oliveira nem tenho palavras pra ao menos descreve-la porque quando vc tenta fazer ela vem e te surpreende... Gleiberson Felipe

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Que bom que gostou, Gleiberson! Obrigado pela visita e pela leitura ;)

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  4. Rodrigo confesso q fiquei surpreendido sempre q puder voltarei aqui pra deixar uma ler mais

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  5. Obrigado! As outras entrevistas também ficaram ótimas, pois os entrevistados contribuíram com ótimas ideias. Se puder, leia também. Abs!

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